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quinta-feira, 10 de abril de 2014

"Para si, que dá umas chapadas à sua mulher"


Pensei muito antes de lhe escrever uma carta destas. Não queria fazê-lo de ânimo leve. Ou, pior ainda, de cabeça quente, depois de ler um qualquer artigo sobre violência doméstica, sobre casas de abrigo para mulheres maltratadas, sobre um julgamento em que um homem foi condenado e uma mulher recebeu uma indemnização miserável ou sobre filhos que crescem em ambientes descompensados. Já ando com esta ideia na cabeça há uma série de tempo e não sabia bem como fazê-lo, porque queria ter a certeza que isto chegava a bom porto. Queria ter a certeza que a leria. Que você a leria. Espero que o título tenha captado a sua atenção.

Também não queria cair num populismo exagerado. É que, sabe, escrever uma carta a um marido abusador e dizer que ele é uma besta e que um dia terá o que merece... isso é fácil. A sério. Qualquer pessoa pode fazê-lo. Qualquer pessoa lho pode dizer. Até o seu vizinho do lado. Ou de baixo. Ou de cima. Um desses que desconfia do que se passa na sua casa, porque ouve a sua mulher a gritar e os seus filhos a chorar. Um desses que já por mais que uma vez teve vontade de ir aí, bater-lhe à porta, e enfiar-lhe um soco no nariz, para o deixar, a si, como o leitor deixa a sua mulher às vezes - e só não o fez porque a mulher dele não o deixou. Porque você é maluco. Porque pode ter uma arma. Porque «com pessoas assim nunca se sabe»... Um desses vizinhos que até já pegou no telefone para ligar para a polícia e denunciar o que se passa aí, entre quatro paredes. Entre as suas quatro paredes. Numa dessas até já enfiou a cabeça da sua mulher, lembra-se?

Como o que você faz é um crime público, qualquer pessoa pode denunciá-lo. Sabe isso, não sabe? Não precisa de ser a sua mulher. Ou a sua filha. Também pode ser o tal vizinho que baixa os olhos quando você entra no elevador, porque tem vergonha alheia. Vergonha de viver no mesmo prédio. Vergonha de saber e não fazer nada.



Leiam o resto desta crónica de Paulo Farinha (jornalista e autor do blog A Farmácia de Serviço) AQUI

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

não pensem que eu ando ausente só aqui do blog... é de toda a actividade blogosférica.
daí que só hoje tenha lido este post de um dos blogs que sigo, O Pipoco Mais Salgado.

É um texto que gostava de ter sido eu a escrever, de certo, pertinente e importante que é.

Agora que todas as meninas disto dos blogs já colocaram os retratos do dia internacional pela eliminação da violência contra as mulheres...
... e colocaram-nos no dia certinho, voltarão no dia internacional da mulher, com mais fotos e muita revolta por ainda ser preciso um dia assim, agora que tenho a vossa atenção indisputada, este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que ele não vai mudar, ainda que ajoelhe à vossa frente, ainda que implore mais uma oportunidade, ele não vai mudar. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que há vida para além dele, aliás, só há vida para além dele. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que têm que contar, que não é uma vergonha que se saiba, que a primeira coisa a fazer é contar. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que que é errado, sejam quais forem as circunstâncias, um homem bater numa mulher. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que ele não vos tem amor, que é cobarde, que manipula os vossos sentimentos e corrói a vossa autoestima. Que não se desculpem com o que é melhor para os filhos, que não o desculpem porque o dia dele não correu bem, que não se comovam quando ele diz que perdeu a cabeça e jura que não voltará a acontecer. Este é o tempo em que é absolutamente necessário que saibam que o primeiro passo, custe o que custar, tem que ser o vosso.



e preparem-se para a enchente de posts que há de vir este fim-de-semana

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Psicologices ● Violência doméstica

Estava a ler este post no blog d'A Pipoca Mais Doce e fiquei profundamente chateada com a ignorância de alguns comentários.
As pessoas precisam mesmo de deixar de falar daquilo que não sabem, e acima de tudo de deixar de usar estereótipos para dar opiniões sobre assuntos sérios.

Quando uma vítima de violência doméstica volta para o agressor ou desiste da queixa, necessita é de ainda mais apoio e compreensão.

Primeiro de tudo, acho importante dar-vos a definição de violência doméstica: “... qualquer acto, conduta ou omissão que sirva para infligir, reiteradamente e com intensidade, sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou económicos, de modo directo ou indirecto (por meio de ameaças, enganos, coacção ou qualquer outro meio) a qualquer pessoa que habite no mesmo agregado doméstico privado (pessoas – crianças, jovens, mulheres adultas, homens adultos, ou idosos – a viver em alojamento comum) ou que, não habitando no mesmo agregado doméstico privado seja cônjuge ou companheiro marital, ou ex-cônjuge ou ex-companheiro marital...”

Segundo, vamos às ideias erradas:



  • a vítima está a ser coagida pelo agressor (até pode estar, mas não é a maioria dos casos)
  • deixar o assunto para ser resolvido pelo casal e não aceitar mais nenhuma intimação do tribunal para testemunhar (uh.. simplesmente não! violência doméstica é um crime público e como tal o nosso dever enquanto cidadãos é fazer queixa, testemunhar, etc. Ou seja, mesmo que o caso não seja convosco podem e devem fazer queixa, não é só a vítima que tem esse poder)
  • estas pessoas não fazem nada para mudar a sua situação e não aceitam ajuda (50% de verdade vá, mas a ajuda de conhecidos é muitas vezes difícil de aceitar)
  • a mulher que volta para um homem depois de este lhe partir a cara merece é levar mais por cima (pessoas com este tipo de pensamento precisam de fazer a actualização de sistema. Estamos em 2013, não em 1900)
  • há mulheres que gostam de ser mal tratadas (do sado-masoquismo enquanto fetiche sexual à violência doméstica vai uma légua de distância)
  • Só volta para o agressor quem está só, sem ajuda de ninguém, sem saida mais viável (às vezes são fornecidas alternativas bastante viáveis, e ainda assim...)

Eis a minha resposta ao tópico no blog d'a Pipoca:

Infelizmente essa é a situação mais comum. Os agressores são geralmente muito manipulativos e as vítimas muito frágeis. Ele faz crer que se arrependeu, que não volta a acontecer e blabla, e a vítima perdoa, porque foi a primeira vez e porque ELA fez não sei o quê que o irritou. Quanto mais longa tiver sido a relação pior, porque maior é a intimidade. 
Tem que ver com o fenómeno de inclusão do outro no self. Quando falamos dos outros geralmente referimo-nos a eles em termos de traços psicológicos (ele fez y porque é burro), enquanto que quando falamos de nós explicamos os nossos comportamentos em termos situacionais (eu fiz y porque dormi mal nessa noite). Numa relação romântica passamos a descrever o outro como se ele fosse nós mesmos, ou seja, "ele bateu-me porque eu falei com o porteiro e eu não devia ter feito isso". Assim, a vítima passa a desculpabilizar o agressor com base em situações e culpa-se a ela mesma. E apesar de ter momentos de "luz" e tentar sair da relação, isso será tanto mais difícil quanto maior a frequência ou extensão temporal das agressões. Ou se salta fora após a primeira agressão e a pessoa é resiliente o suficiente para não voltar atrás, ou só quando houver uma ameaça à vida ou a outra pessoa próxima da vida (um filho, por exemplo) é que ela pode resolver sair da relação, e mesmo assim é raro que aconteça nestes últimos casos. 

É um fenómeno psicológico difícil de explicar, e muito difícil de compreender e aceitar por alguém que nunca teve na situação, mas acho que é possível comparar com uma adição, uma toxicodependência. O agressor é a droga, que vulnerabiliza e fragiliza a vítima, e quanto maior o uso da droga, maior a dependência e incapacidade de se libertar.

Acrescento que, tal como uma outra pessoa referiu num comentário, muitas vezes estas vítimas já eram vítimas no namoro, e ainda assim casaram com o agressor. Também parece não ser compreensível, mas a verdade é que em diversas situações (esta incluida) o pensamento é que o casamento vai fazer com que a pessoa X mude. O casamento muitas vezes é visto como um pó mágico que faz os outros mudarem (menos agressivos, menos alcoólicos, mais presentes, menos traidores, etc).

Outros dados que vos posso fornecer é que o (ab)uso de álcool está ligado a este tipo de violência, que a violência é cíclica (padrão de agressão seguido de perdão, tendo as agressões tendência para se agravarem), as mulheres também podem ser agressoras (incidindo mais em violência psicológica), e que a APAV pode fornecer-vos mais informações e que às vítimas oferece apoio jurídico, psicológico e social. 

Comentários inteligentes e racionais que encontrei:

  • Porque, quem não passa pela situação, sendo ou não a vitima, vai sempre dizer "que burra, então é porque gosta" / "se fosse eu, nunca me apanharia de volta". Não sabemos o amanhã... 
  • A maior parte das mulheres que são vítimas de violência não tem auto-estima, acredita que de algum modo merece o que se passou. Acham muitas vezes que se forem melhores, que não voltará a acontecer, culpabilizam-se pelo agressor e caem sempre no conto do coitadinho, porque homem que bate em mulher também tem anos de experiência em manipular.

(Entretanto, resolvi que este blog vai mesmo ser um blog pessoal)